Crónica de Alexandre Honrado – Não sou o único a olhar os céus

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Crónica de Alexandre Honrado – Não sou o único a olhar os céus

 

Os antigos gregos chamavam a estrelas, planetas e cometas “os ornamentos dos céus”, céus no plural. Os mais cultos – e eram-no muito -, acumulavam sabedoria e viam nos céus fórmulas explicáveis; um dia perceberam que os elementos não giravam num círculo – mas numa elipse! – e que dependiam de forças físicas para o fazer.  A posterior revolução do intelecto foi tão intensa que produziria efeitos até aos nossos dias. Foram os primeiros a perceber quem habitava os céus e o que se podia esperar deles, embora se passassem centenas de anos e formas repressivas vergonhosas para entender o papel do sol, as gravitações, a força que a natureza tem na realidade e que explica sucessões mágicas como os dias e as noites, a aparente magia de um eclipse, as catástrofes e a fantástica vida, a forma como as estações se sucedem e operam sábias metamorfoses. Vejam como os imbecis desdenham de algumas ideias, a do aquecimento global, por exemplo, e já nem falo de quem é protagonista do desdém, para não ser repetitivo e sujar o texto. Falamos vagamente da Amazónia, mas esquecemos depressa o que a sua destruição nos afeta. Retira-se um pulmão ao mundo, porque é preciso desmatar (matar) a floresta, negociar com a madeira, criar vacas em pastos novos, cobrir a terra de soja, porque está na moda consumi-la, crime atrás de crime até à derrota final, em suma.

Há muito mais que a ganância humana. Os ornamentos dos céus, por exemplo. Por entenderem isto muito cedo, houve seres humanos perseguidos, julgados, alguns sumariamente, condenados, supliciados e mortos.

O criacionismo não entendia como é que todas criaturas estavam para lá dele. Como é que os céus tinham explicações e coisas tão maravilhosas que transcendiam estruturas de crença ou ídolos. Pensavam, esses criacionistas, ser a cultura um desígnio do mal, chamando aos deuses incultos. Sim, acusando-os, não declaradamente, mas sub-repticiamente: só deuses incultos se assustariam com a sua criação.

Se olharmos para os fundamentalistas do passado e do passado recente, os acusadores, inquiridores, inquisidores, crentes da menoridade, constatamos que os exemplos são inúmeros. Os mais recentes até vêm de países como os Estados Unidos da América, país que no passado albergou a inteligência mais avançada – e perseguida –, aceitou refugiados  e ficou a dever-lhes apoios e ensinamentos, prosperidade e glória, referências de progresso e avanço inquestionáveis.

Outros exemplos podiam ser aqui trazidos. Mas para quê?

Quem viu a peça de teatro Peer Gynt, do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, pode ter uma ideia do eu irredimível, da inconsistência existencial, comparável a todos os que chamam crença aos seus desastres e limitações. É só um exemplo, correu-me.

Aproveito algum tempo livre para olhar os céus.  São eles que explicam os humanos e a desumanidade?

Não há dúvidas especulares, não há gestos que nos apontem, nesses minutos de olhar os céus. À noite, à beira-mar, no deserto, na imensa planície, no alto mar, no bosque que permite de súbito a clareira que nos dá a contemplar os ornamentos do céu. Cá em baixo, ficamos. A tremer os abismos, numa idolatria narcísica de deuses incapazes de nos apontarem o lado apaziguador de um destino sem tensões.

Lembro-me de  Ana Hatherly, é só um exemplo, ocorreu-me: o sangue é um acordo vivo/que nos ata.

 

Alexandre Honrado

 


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